O prédio de madeira da escola, pintado de marrom, tinha quatro salas de aula e um corredor na frente que unia as salas e terminava numa das extremidades em dois banheiros, masculino e feminino. Não havia mais lugar no velho e charmoso prédio, por isso construíram esse anexo.
O ano era 1965, segunda serie do antigo ginásio. O sino tocou para avisar que as aulas iriam começar. Antônio ficou parado no corredor, em frente a sua sala de aula, para ver a entrada das meninas das salas ao lado. Num átimo, viu uma linda colega olhando para ele. Os dois trocaram de olhares. Ele se emocionou e ficou radiante pois a garota era a Maria, uma bela morena, parecida com a atriz Natalie Wood que ele tinha visto no filme “Amor Sublime Amor”. Os dias se passam e no recreio se olham constantemente. No final das aulas ficava na praça até ela pegar o ónibus Serraria. Se perguntava: – como falar com ela? Estava sempre com as amigas. Sua timidez era terrível. Olhava e recebia o mesmo olhar. Fitavam-se o tempo todo.
Cinquenta anos depois, Antônio está dirigindo o carro em direção ao um pequeno hotel no bairro Bomfim, iria buscar Maria para uma festa de reencontro dos formandos do ginásio. Pensava na primeira vez que falou com ela, quando a turma toda foi ver o filme dos Beatles, Reis do Iê, Iê, Iê, no cinema Imperial na rua da Praia. A emoção dela ao ver os quatro cabeludos fez com que ele usasse o cabelo igual aos Beatles, para ficar parecido com o Paul ou com George. Pensou também na festa em que a professora paraninfa ofereceu. Quando tocou a música “Minha Namorada”, cantarolaram juntos: “Se você quer ser minha namorada, ah, que linda namorada você poderia ser”. E do baile de formatura. Na hora da valsa Maria lhe procurou para dançar a valsa dos formandos. Dançaram e no final encontraram timidamente os lábios, o que hoje seria um “selinho”, para ninguém notar. – Claro! Estavam apaixonados.
Chegou ao antigo e pequeno hotel. Conseguiu um lugar para estacionar, desceu do carro. Estava ansioso e inseguro, para se tranquilizar ficou observando a fachada do prédio. Ao entrar viu uma senhora sentada num modesto sofá colocado na parede em oposição a recepção. Falou ao recepcionista que tinha marcado um encontro com a Sra. Maria. Ele olhou para Antônio e disse: – É aquela senhora sentada no sofá.
Aproximou-se da mulher, trocaram um olhar e falou: – Sou o Antônio, quanto tempo. — Sou a Maria, não nos vemos há cinquenta anos. Pareciam dois desconhecidos. Entraram no carro e se dirigiam a uma pizzaria na zona sul, onde iriam se encontrar com os antigos colegas do colégio.
No carro, falaram o que fizeram nesses cinquenta anos e algumas lembranças, o que fez que as emoções surgissem nos seus corações. Aos poucos começaram a reviver o colégio, toda atmosfera dos anos sessenta e seus quinze anos.
Antônio respirou fundo e falou: Lembras que na semana seguinte ao baile, estávamos em férias e fomos numa reunião dançante na casa das Cariocas em Ipanema. No final, junto com um grupo, fomos na beira do Rio Guaíba e abraçados cantamos o “Corcovado “. – Claro! Maria respondeu e começou a cantar: “Quero a vida sempre assim, com você perto de mim, até o apagar da velha chama”. Emocionado, Antônio falou: – Logo depois chegaram os Brigadianos e nos prenderam, – na época não podia haver reunião de pessoas na rua. Ficamos indignados pois não havíamos bebido, só estamos alegres. Na delegacia alguém ligou para os teus pais. Eles levaram as meninas para casa. Fiquei lá até o dia amanhecer e voltei a pé para casa. O pior é que nunca mais te vi.
Chegaram na Pizzaria. Uma festa! Foram recebidos pelos colegas e festejaram aquele período inesquecível. No final do encontro, os amigos lentamente foram se despedindo. Outro colega, por morar perto, se prontificou a levá-la ao hotel. Antônio e Maria se abraçaram, as lágrimas de nostalgia encheram-lhes os olhos, encostaram os lábios e ela como se fosse contar um segredo, cantarolou baixinho no seu ouvido: – “até o apagar da velha chama”.