Década de 1980, após difícil decisão de sair de Porto Alegre, minha cidade natal, com dois filhos pequenos, quatro e seis anos, com o impulso do marido, resolvo-me estabelecer em Nova Petrópolis, cidade serrana do Rio Grande do Sul, 92 km da capital.
Aparentemente, decisão fácil, porém não foi nada fácil.
A primeira barreira seria a língua, pois para uma pediatra não poder fazer uma comunicação direta com os pequenos que falavam inicialmente, apenas o alemão até a idade escolar. E para quem é pediatra sabe que essa condição é muito importante visto que muitas vezes, a informação dada pela criança é muito mais relevante para nós, na feitura de um diagnóstico, do que a informação do adulto que já vem com juízos de valor que nem sempre correspondem à realidade.
Outro ponto a ser enfrentado era conseguir ser aceita no corpo clínico do hospital local, que à época era composto por quatro médicos homens e que, padrão da época, atuavam em todas as áreas, que ia da clínica em todas as faixas etárias até a geriatria e cirurgia geral e obstetrícia. Aceitariam uma jovem médica trazendo a ideia de trabalhar em uma especialidade?
Outro argumento que ouvi foi: seus filhos vão crescer e vão embora daqui, pois o ensino é muito limitado. Grande equívoco, posso afirmar hoje.
Ao chegar na cidade, comecei a atuar na Unidade Sanitária local pois sendo funcionária da Secretaria Estadual de Saúde, consegui facilmente minha transferência. Nesse momento, fui contratada pelo Sindicato Rural de Nova Petrópolis, onde passei a conviver com os outros dois colegas. Esse fato facilitou a minha entrada no corpo clínico do hospital e até estabelecer uma melhor convivência entre os quatro médicos.
Senti necessidade de ter meu próprio consultório particular, pois já atendia vários convênios e pacientes privados. Para isso, inicialmente aluguei um espaço e, logo depois, construí um novo consultório ao lado da minha casa, o que me proporcionou estar mais perto dos meus filhos, que cresciam.
Ao longo de dez anos atuei, freneticamente, em todas essas frentes de trabalho e inúmeras vezes transportando bebês em situações graves para as UTIs de Caxias do Sul, de forma improvisada. Um exemplo disso era o aquecimento da criança com garrafas PET com água quente, berço aramado coberto de plástico cristal transparente, fazendo ventilação mecânica com ambu dentre de um carro fúnebre, pois não existia ambulância na cidade. Dividia essa tarefa com uma profissional de enfermagem. Foram os trinta quilômetros mais longos que já percorri.
O melhor disso tudo é que os resultados eram positivos.
Entretanto, após dez anos de trabalho neste ritmo desumano eu me vi grávida e diante de uma felicidade infinita pois era tudo que eu desejava na minha vida pessoal era ter mais um filho. Com aproximadamente trinta semanas de gestação tive a triste notícia de feto morto (FM).
Esse fato, somado ao extremo cansaço físico, ausência de privacidade e abalo emocional, resolvi voltar para Porto Alegre, com um projeto de me dar condições de planejar e ter o tão sonhado terceiro filho.
Então, em 1990 deixei para trás casa e consultório na serra e voltei para Porto Alegre. Decisão difícil, tanto quanto foi a de ida, mas que foi determinante para realizar o desejo de ser mãe pela terceira vez, já aos quarenta anos de idade, encerrando um ciclo de médico de interior e reiniciando outro, focando na maternidade durante dois anos.