A aula que não tive, mas gostaria de ter tido

A primeira aula na Faculdade Católica de Medicina não foi nada agradável. Começamos o primeiro ano recepcionados pelo Professor Luiz José Alimena e seus assistentes, Gilberto Mauro Scopel, Roberto Correa Chen e Belmar José Ferreira de Andrade, dando as boas-vindas aos novos alunos e iniciando aula maçante de anatomia geral em sala no porão da faculdade, escura, pouco ventilada, quente, em pleno verão, no início de março. Não era isso que eu esperava. Gostaria de ter sido recepcionado por qualquer professor que nos falasse da história da instituição em que estávamos entrando. Durante todo o curso nada foi ensinado das origens e necessidade de nova faculdade de medicina em Porto Alegre. Agora, aos cinquenta anos da nossa entrada no curso de medicina, vou comentar com os colegas alguns assuntos não ensinados durante os seis anos que estivemos estudando na Faculdade Católica de Medicina. Esses assuntos estão muito bem descritos no livro “Memórias da Criação da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre”, editado por: Telmo Pedro Bonamigo e Miriam da Costa Oliveira, 2007.

  • No início da década de 1950, havia ambiente favorável e necessidade comprovada para a criação de mais uma Faculdade de Medicina em Porto Alegre. A cidade contava com apenas a Faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a terceira faculdade de Medicina no Brasil, a primeira foi na Bahia em 1806 e a segunda no Rio de Janeiro no mesmo ano.
  • Em 1954, foi criada a Faculdade de Medicina na cidade de Santa Maria, com o objetivo básico de atender a população das regiões central, noroeste e sudoeste do estado.
  • A real motivação para a criação da Faculdade Católica de Medicina está intimamente ligada à construção do Hospital de Clinicas de Porto Alegre, o Hospital universitário da UFRGS. A administração da Santa Casa antevia que o funcionamento do Hospital de Clínicas iria determinar a saída de grande número de professores da Faculdade de Medicina da UFRGS em exercício na Santa Casa para o novo hospital. Este fato naturalmente poderia ocasionar uma relativa queda na qualidade e no número de atendimentos para os pacientes. Desta forma, havia a necessidade da criação de nova faculdade de Medicina em Porto Alegre.
  • Foi definido o nome desta nova instituição “Faculdade Católica de Medicina” pela congregação da Santa Casa, estabelecendo que funcionaria nos hospitais da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, ficando a estes perpetuamente unida.
  • Em 20 de Dezembro de 1960 o Egrégio Conselho Nacional de Educação dava parecer favorável ao funcionamento da terceira Faculdade de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul.
  • O Primeiro Exame Vestibular ocorreu entre os dias 13 a 16 de março de 1961, com a inscrição de 413 candidatos para 50 vagas. Os resultados dos exames foram divulgados em 21 de março na Santa Casa.
  • É interessante a observação de que o número de classificados pelo exame vestibular era de 50 alunos, de acordo com as vagas previstas. Mas, como havia um grupo de 15 candidatos aprovados, mas não classificados no número estabelecido de vagas, estes reuniram-se em comissão e tentaram junto a Direção o aproveitamento e matrícula ao grupo total de aprovados.
  • Na época, este grupo era considerado “excedente” e a Direção não se opôs ao pedido dos vestibulandos, assim a primeira turma passou a ter 65 alunos. Alguns dias depois, haveria o envio de mais quatro alunos provenientes da Bolívia, atendendo ao Convênio existente entre Brasil e Bolívia.
  • A Primeira Aula da Faculdade Católica de Medicina, aula inaugural, foi cerimônia solene, ocorreu em 22 de março de 1961. Proferida pelo Prof. Carlos de Brito Velho com o tema: Natalidade, a vida e a importância de preservá-la. Estavam presentes nessa aula, além dos calouros, o Cardeal Dom Vicente Scherer, o diretor da Faculdade Ivo Corrêa Meyer, o vice-diretor Heitor Masson Cirne Lima e muitos professores da recém criada faculdade de medicina.
  • No início, a Faculdade Católica de Medicina, era instituição privada sem fins lucrativos, necessitava do aporte de recursos financeiros provindos da matrícula e das prestações mensais dos seus novos alunos, Como forma de viabilizar a nova instituição. Estes pagamentos eram razoáveis e correspondentes, na época, ao que pagava um aluno do curso secundário em instituição privada.
  • Mesmo assim, inúmeros alunos carentes tinham bolsas de estudo e sempre que houve algum atraso nas mensalidades, por qualquer aluno, nenhum deles deixou de prestar exames ou concluir o curso por eventual dificuldade de ordem econômica. A Direção da Faculdade Católica de Medicina sempre teve esta compreensão, baseada principalmente no espírito humanitário e solidário que inspirou sua criação.
  • Muitos alunos trabalhavam durante o curso médico, com o que obtinham suporte econômico para a sua manutenção. Alguns eram funcionários públicos e conseguiam compatibilizar horário de aulas com o trabalho e nem por isso deixaram de ser alunos com ótimo aproveitamento.
  • É também, absolutamente necessário lembrar da contribuição dos professores que se faça justiça ao espírito solidário, humanista e cheio de desprendimento demonstrado pelos nossos mestres nos primeiros anos de funcionamento. Nessa época, os professores não recebiam salários. Mais tarde passaram a receber remuneração praticamente simbólica. Tratava-se de uma atividade solidária e benemérita, feita com a maior boa vontade e dedicação.
  • Havia um verdadeiro desafio a ser vencido: tornar a nova Faculdade respeitada pela qualificação de seus professores e pelo desempenho dos seus alunos. Nesse momento também se criou um sentimento de rivalidade entre a nova faculdade e a tradicional medicina da UFRGS. Essa disputa era absolutamente civilizada e não comentada pela maioria dos professores e alunos. Até porque muitos professores militavam nas duas instituições.
  • Em 22 de agosto de 1969, por força do decreto-Lei 781, a Faculdade foi transformada em Fundação de Direito Privado, com o nome de Fundação Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre.
  • Em 11 de dezembro de 1980 passou a denominar-se, de acordo com a Lei 6891, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de porto Alegre, dotada de Personalidade Jurídica de Direito Privado e vinculada ao então Ministério da Educação e Cultura.
  • Com a Federalização da Faculdade em 1980, os professores Titulares passaram a fazer parte do corpo funcional da mesma como funcionários federais regidos pela CLT com salários pagos pelo governo federal. Os auxiliares de ensino foram submetidos à prova de suficiência e da mesma forma, os aprovados passaram a pertencer ao quadro de professores do MEC.
  • Iniciava-se assim, um novo ciclo da nossa faculdade. Os alunos passaram a ter gratuidade no ensino médico e a Faculdade dotou a seguinte denominação: Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA).

Gostaria de ter conhecido melhor a história de nossa faculdade. A grade curricular deveria ter as disciplinas da história da medicina, no Brasil e no Rio Grande do Sul, incluindo arte, música e filosofia. Infelizmente, disciplinas que contenham esses conteúdos ainda não existem mesmo na grade curricular atual do curso de medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

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