Hospital de Pronto Socorro (HPS) uma experiência que não pode ser esquecida

Depois de entrarmos na Faculdade Católica de Medicina, orgulhosos por termos passado no vestibular em janeiro de 1972, não imaginávamos que teríamos outros “vestibulares” durante o curso. No início das cadeiras clínicas, terceiro ano, nossos estágios eram na Santa Casa. A turma “A” começou na Gastrenterologia, enfermaria 42 do professor Jorge Pereira Lima. O desafio de atender os primeiros pacientes era enorme. As anamneses imensas e detalhadas com o professor cobrando cada detalhe dos sinais e sintomas, da história pregressa, dos medicamentos usados. Já nessa época, ouvíamos os veteranos com uma preocupação paralela, o concurso para estagiário remunerado do HPS, algo sonhado pelos alunos do quinto ano, momento de entrada no hospital que atendia as urgências em Porto Alegre. Os alunos formavam grupos de estudos, ocupavam as salas individuais da biblioteca e faziam cronograma para atingir toda a matéria das provas escrita e oral.

A primeira etapa do concurso era a prova escrita, eliminatória. Cem questões de múltipla escolha versando sobre: clínica médica (especialmente as urgências), neurologia, traumatologia, cirurgia geral e cirurgia plástica. A prova selecionava os candidatos com nota igual ou acima de 6,0. Naquele ano a direção do HPS aumentou para setenta o número de internos bolsistas, dez para cada dia da semana. Até então, eram 49 internos, sete por dia. Mas com o aumento da demanda especialmente dos acidentes de transito foi criada a sala de politraumatizados. Havia, enfim, a necessidade de aumentar o número de internos. A disputa entre as três faculdades de medicina de Porto Alegre era enorme. A PUC, recém-criada, em 1971, tinha pouca tradição nessa prova. Na verdade, nesse ano foi a segunda vez que seus alunos participaram do concurso.

A segunda etapa foi a prova oral com uma banca de quatro médicos/professores que trabalhavam no HPS. O aluno sentava-se na frente da banca e as perguntas começavam, cada um dos professores fazia uma pergunta de diagnóstico clínico ou laboratorial e a conduta frente a um caso clínico previamente selecionado. As discussões eram civilizadas, mas muitas vezes os alunos saíam desesperados, chorando com a dificuldade de responder as perguntas. No final, eles estipulavam a nota que, somada com a nota da prova escrita, dava um resultado.

A felicidade de estar entre os setenta internos foi imensa. Ali começamos realmente a nossa medicina prática, saímos da teoria e observação de pacientes para o atendimento direto das pessoas que chegavam no HPS. Poderia ser uma sutura simples, uma apendicite, uma fratura de punho, mas poderia ser um politrautatizado com necessidade de atendimento por múltiplos profissionais. Os colegas foram divididos por equipes de dez internos que ficavam de plantão por 24 horas em cada dia da semana, e recebiam por isso um salário mínimo da época. A cada mês o grupo trocava de dia. As trocas eram permitidas entre os colegas de qualquer dia. O turno da noite era dividido em dois. O primeiro começava à meia-noite e terminava as quatro horas da manhã. O segundo turno terminava às sete horas.

Havia o quarto dos homens e o das mulheres. No refeitório, tínhamos as refeições do café até da janta. No meio do ano, o refeitório foi fechado para reforma. A comida, chamada de quentinha, foi terceirizada e a qualidade era péssima. Depois da reforma voltaram os bons cafés, almoços e jantares. O grupo dos preceptores não usava o nosso refeitório. Eles tinham uma cozinheira de muita qualidade que fazia os jantares, sempre muito disputados pelos médicos plantonistas. Nós, os internos bolsistas, não participávamos da orgia gastronômica de nossos futuros colegas.

Foi um grande estágio, deu oportunidades para atender sem medo os pacientes, atuar rapidamente nos casos de emergência, distinguir o que é uma urgência de situações de dissimulação. Os médicos deixavam receitas e pedidos de exames assinado porque nós não tínhamos CRM. No último dia de plantão, minha turma aproveitou os receituários assinados e carimbados e fizeram a despedida do HPS. Alguns elogiando, outros criticando alguma situação que não teve bom resultado. Com os receituários pendurados nas paredes minha turma se despediu daquele estágio tão proveitoso de um ano, intenso de emoções, stress, mas sobretudo de muito aprendizado.

Um dia para não ser esquecido? O incêndio das lojas Renner ocorreu em 27 de abril de 1976, matando 41 pessoas e ferindo pelo menos sessenta outras. O grupo de plantão era insuficiente para o atendimento de tantos feridos. Grande número dos internos bolsistas que estavam de folga se dirigiram para o HPS para ajudar seus colegas de plantão, assim como médicos de diferentes especialidades também se apresentaram para o atendimento daquele desastre que comoveu toda a cidade e o país. Foi uma atitude de solidariedade que ficará na memória. Para escapar das chamas muitas pessoas se atiraram do prédio.

Você sabia? CURIOSIDADES?

O Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS) iniciou suas atividades no ano de 1898, na administração do Intendente José Montaury de Aguiar Leitão. Era localizado no centro histórico de Porto Alegre, no Paço Municipal. Na administração do prefeito Otávio Rocha, o serviço foi transferido para a Rua José Montaury e, posteriormente, deslocado para a Rua Cel. Vicente esquina com a Comendador Manoel Pereira. Em 1939 o professor e médico Bruno Atílio Marsiaj, então diretor da Assistência Pública Municipal, propôs ao Prefeito José Loureiro da Silva a criação de um novo hospital de atendimento das urgências, com objetivo de ampliação dos atendimentos médicos em especial acidentes de trânsito com diversos tipos e gravidade de trauma, associado ao ensino e produção científica. Desta iniciativa, nasceu o exuberante Hospital de Pronto Socorro inaugurado em 19 de abril de 1944. Ocupa espaço amplo, moderno e adequado para a novas demandas de urgências clínicas e cirúrgicas na esquina da Av. Oswaldo Aranha com a Rua Venâncio Ayres. Já nessa época, podiam fazer exame de estágio os estudantes do quinto e sexto ano do curso de medicina.

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