Do início de 1972 lembro algumas coisas. Vestibular em janeiro (o primeiro chamado Unificado), começo das aulas em março na Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre, recepção pelos veteranos da AD76, alguns trotes, as antigas passeatas pelo centro e Parque Farroupilha (Redenção) todos pintados e sujos, mas muito felizes.
Cada aula agendada era uma grande expectativa e emoção. Anatomia e histologia marcaram o meu primeiro ano. Até hoje me refiro a 1972 como “o primeiro ano”.
O ano de 1973 me impressionou com a Fisiologia, que fez a diferença entre “antes da medicina” e “depois da medicina” no meu dia a dia. Simplesmente me encantei com os meandros e detalhes da fisiologia humana. Paixão.
Em 1974 tive o primeiro contato direto coma clínica médica através da gastrenterologia. Até ali eu era uma teórica voraz, adorava ler e estudar (junto com minha querida colega Nilda devorávamos livros na biblioteca).
Inesquecível é a primeira paciente: Irena Stein, na época uma jovem “alemoa” do interior do estado com uma hepatite clássica. Nem sei bem por que estava baixada na enfermaria 42, pois parecia mais saudável do que eu, Luiza e Lydia juntas.
Esse era o trio responsável pela revisão da anamnese, acompanhamento dos exames clínico e laboratoriais e evolução diária, o que, certamente, devia ser supervisionado por algum residente que foi tão inexpressivo para mim que sequer lembro se existiu.
O professor responsável por esse leito, e outros mais, era o Dr. Claudio Wolff. Prestativo, gentil e educado, fez o estritamente essencial.
Vou fazer uma referência à segunda paciente, a Vicentina, uma mulher negra, miudinha, que baixou numa sexta-feira à tarde sangrando por todos os poros e, quando nós a vimos na segunda-feira, já estava estável e com o diagnóstico de púrpura trombocitopênica idiopática. Por que na “gastro”? Era uma boa enfermaria da clínica.
Tínhamos a presença do chefe, Dr. Jorge Pereira Lima, e seus shows de conhecimento, além do Dr. Milton Abramovich com seus shows de cultura, entre outros.
A cardiologia não me deixou marcas.
O ano de 1975 foi meio pesado – perdi meu pai com um câncer muito rápido. Muito conhecimento novo e o início do encantamento com a dermatologia, cadeira curta, pouco expressiva, mas a mosquinha azul começou a voar por perto.
Perceberam que passei pela cirurgia como se ela não tivesse existido?
Adorei a clínica cirúrgica, mas o bloco nunca me atraiu. Amei a oncologia clínica.
O último ano, antes do sexto, nos propiciou muitas cadeiras mas nenhuma me cativou em especial. Estava decidida pela dermato.
Comecei a providenciar o estágio de sexto ano. Na época era fundamental que fosse bom, pois seria o primeiro passo para se concorrer a uma boa residência. Tive sorte e ajuda para conhecer o estágio da quinta enfermaria da UFRGS. A Heloisa e o Brentano me orientaram muito. Obrigada!
A residência foi sob a batuta do Prof. Clovis Bopp. Homem polêmico, genial, um poço de conhecimento (uma biblioteca ambulante) e essencialmente correto. Nunca o vi rodar a baiana sem um motivo. Presenciei uma situação em que ele chamou todo o grupo para pedir desculpas por uma atitude equivocada que tivera com um residente, com serenidade e humildade. Isso me marcou positivamente, e muito, para toda a vida.
Dezembro de 1977, dia três. Formatura.
Noite muito abafada. Teve chuva de verão, fotos no saguão da Reitoria. Pouco glamour se compararmos com as formaturas de hoje. Na época, regime militar, pouca descontração e muitas formaturas de gabinete, como chamavam.
Lembro-me de estar sentada à esquerda no palco quando fui chamada para me dirigir à mesa onde estavam o diretor da faculdade, Dr. Antônio A. de P. Azambuja, o paraninfo, Dr. Egomar L. Edelweiss – amado –, e os homenageados. Ali, meu marido, Rubem Brust, entregou-me o diploma.
Não posso dizer que foi o dia mais emocionante da minha vida, mas certamente faz parte do rol dos dias mais importantes.