Virada do milênio – 2

Morrer é gozar o sono bem terno
De quem viveu sem nunca descansar…
Autor desconhecido

Fiquei ali estática, não entendendo nada, quando tocou a campainha. Era a minha tia que viera me dar um apoio. Quando mostrei para ela o caderno, havia várias poesias, custei a achar aquela de novo. Dei-me conta: era uma mensagem para me mostrar que ela estaria bem. E eu precisava disto, já que só me culpava pensando que como médica eu não teria conseguido prevenir a ocorrência deste pequeno infarto do miocárdio na zona de condução cardíaca que propiciou a parada. Só pensava que estava atendendo ao meu pai e descuidara dela. No entanto, como saber, se na véspera ela me ligara muito bem e dando risadas? Mas naquele momento, com aquele caderno apertado contra o peito, pude chorar muito, tudo o que ainda não pudera antes. O fato é que naquele momento recebi aquilo como um bálsamo. Gratidão imensa ao Mensageiro, pois depois disto fiquei mais serena, estava mais em paz.

Vida que seguia. Rotina do Hospital e, em seguida, fatos que aconteciam me fizeram ter um olhar diferente para o misticismo. Mas quando a alma sofre o corpo mostra. Eu ainda tinha que terminar a minha dissertação de mestrado. Como ter foco depois do tormento? A psicossomática que explique – tive uma epicondilite lateral no cotovelo direito, o que me impedia de escrever. Uma dor muito intensa. Fui a todos os especialistas, fiz infiltração, tomei anti-inflamatórios e nada de aliviar. Só foi melhorar quando eu encontrei uma acupunturista e iniciei o tratamento. A dor e a inflamação foram melhorando e não só isso: também fazia efeito sobre o emocional. Foi graças a este tratamento que pude ficar mais centrada e continuar os estudos. Enfim, teria que entregar a dissertação de mestrado em dezembro e tudo isto ocorreu em julho. Com muita garra consegui terminar o trabalho e entregar no inicio de janeiro. O trabalho foi elogiado pela banca e recebi nota máxima.

No ano seguinte, 2000, respirando um pouco melhor, minha acupunturista começou a me incentivar para fazer o curso de acupuntura para médicos na AMRIGS que iria começar em março, pois eu tinha me apaixonado pelos resultados do procedimento. Vacilei: logo agora? Depois de todo este percurso em uma especialidade? Mas fui lá assistir uma aula e gostei. Me inscrevi e fiz o curso de dois anos.

Bem, foi aí que, aos poucos, iniciou minha virada profissional. O meu amor e a minha dedicação com as agulhinhas de acupuntura foram cada vez maiores e, após um tempo, acabei me aposentando no Hospital e me dedicando a esta nova especialidade, a Acupuntura Neurofuncional, o que faço até hoje.

Algumas pessoas me questionam, e sinto que não entendem como eu fiz isto. Respondo: a vida me deu uma aula prática muito forte sobre a lei da impermanência. Nada é para sempre e assim eu posso me desapegar de algo que está sendo mais pesado para mim. Posso retirar da minha vida o que foi bom, me serviu e serviu aos outros por muito tempo, mas que está na hora de deixar ir, principalmente sabendo que eu fiz o meu melhor enquanto durou. Parto para novos começos sem medo, novos amigos , novos colegas, nova especialidade, novos cursos, novos pacientes.

Foi nesta virada de milênio, com todo o sofrimento, que eu também tive que crescer e evoluir. Revivi toda a minha vida, não sem a ajuda da minha mãe, de onde estiver e principalmente aqui dentro do meu coração. Grandes mudanças começam a acontecer. Comecei a questionar tudo o que realmente não é importante para mim e, aos poucos, a quebrar aquele casulo de proteção em que me colocava. Com isto, fiquei mais maleável, mais tolerante com meus erros, mais emotiva e finalmente consigo ficar com uma consciência um pouco mais ampliada e ver as coisas de um modo diferente. Me dou conta que há sutilezas que quando sentidas e seguidas ajudam muito a servir as pessoas, começando por mim mesmo.

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