A medicina no passado foi uma profissão de homens. Porém, a colocação das mulheres em segundo plano social vem se modificando rapidamente ao longo dos últimos anos. Felizmente hoje em dia estamos adiantados, mas não totalmente iguais nos direitos humanos e sociais. A nossa centenária Faculdade de Medicina do Rio Grande do Sul foi fundada em 1898 – terceira faculdade de Medicina do Brasil. A primeira foi inaugurada em Salvador, Bahia, em 1808 com a chegada da família Real. A segunda foi no Rio de Janeiro, também em 1808, quando a família real se transfere para o Rio de Janeiro.
No Rio Grande do Sul, a presença das mulheres na medicina começa de forma tímida: uma jovem professora cujo sonho era ser médica conseguiu se formar na primeira turma médica da Faculdade de Medicina e Farmácia. Alice Mäeffer graduou-se em 1904, com mais dez colegas homens. Escolheu a cidade serrana de Antônio Prado para morar e trabalhar, onde exerceu a especialidade de pediatria. Mas, logo se casou com colega médico que a convenceu de abandonar a profissão e dedicar-se ao lar, deixando precocemente a profissão.
A segunda médica formada no Rio Grande do Sul ingressou na Faculdade de Medicina em 1912. Noemy Valle Rocha trilhou caminhos ainda mais difíceis, pois sua família exerceu forte resistência pela escolha da medicina, profissão masculina. Respeitando a vontade do pai, deixou de estudar para casar com apenas quinze anos de idade. O marido faleceu algum tempo depois do casamento. Com dezessete anos era uma jovem viúva, com liberdade, segurança e independência para, finalmente, escolher sua profissão – a medicina. Matriculou-se na Faculdade desafiando o poderoso universo masculino da instituição, professores e colegas eram todos homens. Felizmente teve êxito na sua escolha e trajetória. No sexto ano, em 1917, defendeu tese de doutoramento intitulada “Vacinoterapia autógena: seu emprego em ginecologia”, aprovada com distinção. Iniciou a carreira profissional como clínica geral, ginecologista e obstetra. Com seu espírito aventureiro e de muita coragem, foi a primeira mulher a dirigir automóvel em Porto Alegre, no início da década de trinta, quando eram ainda raros os veículos automotores na capital. Usou seu carro para atender pacientes em diferentes bairros da provinciana cidade de Porto Alegre e seus arredores.
As mulheres na Medicina e as gurias da AD77 – dias atuais
Mais recentemente, uma nova faculdade de medicina em Porto Alegre começou suas atividades em 22 de março de 1961. A primeira turma de médicos da Faculdade Católica de Medicina ocorreu em dezembro de 1966, 66 formandos. Destes, apenas duas eram mulheres: Iracema Terezinha Campos de Albuquerque e Miriam Lunardi. Essas mulheres pioneiras na Faculdade Católica de Medicina foram muito bem recebidas pelos colegas homens. A Prof. Iracema entrou na faculdade com 29 anos. Decidiu fazer medicina depois de ter constituído sua família, casada com o professor Manuel Albuquerque e mãe do nosso colega Galton de Campos Albuquerque. Fez psiquiatria e trabalhou até recentemente como psiquiatra. A colega Miriam Lunardi faleceu em 2021.
Na nossa turma AD 77, com 108 formandos, 42 eram mulheres e 65 homens, perfazendo o percentual de 39% de mulheres – número elevado, o maior desde o início da faculdade Católica de medicina. Todas as nossas gurias foram extraordinárias e deixaram o clima, antes pesado, carrancudo e sem graça, em um novo ambiente, saudável, tranquilo, belo e bem-humorado. Mas preciso chamar a atenção para duas de nossas gurias: ambas fizeram o magistério e eram professoras, conseguiram passar no vestibular difícil, competitivo entre centenas de alunos bem preparados com científico em bons colégios e cursos pré-vestibulares.
Célia Fishmann, filha de médico pediatra, foi sempre a aluna mais estudiosa da AD77 e, por isso, o primeiro lugar em praticamente todas as nossas disciplinas. Logo, foi a primeira aluna da turma.
Heloisa Brentano era mais velha do que a maioria dos colegas. Nossa idade média era de vinte anos, e a Heloisa tinha quarente quando entrou como aluna na faculdade. Foi uma estudante dedicada, trabalhou durante a faculdade e depois da formada na área de ginecologia e também auxiliando seu marido, Professor Loreno Brentano, brilhante cirurgião e pioneiro nos transplantes renais no Rio Grande do Sul.
Curiosidades, Notas
- A ATM 77 da UFRGS tem na sua lista de formatura 190 pessoas, 114 homens e 76 mulheres, sendo exatamente 40% de mulheres, semelhante a AD77. A partir dessas turmas o número de mulheres na medicina continuou aumentando progressivamente. Hoje o número de mulheres na medicina é muito maior do que os homens. É licito dizer que vivemos o momento de vitória das mulheres ou simplesmente dizer que a igualdade dos sexos chegou finalmente na medicina.