Lúcia não conseguia escolher qual o vestido que usaria; estava magra demais. Juliana estava alegre: seria a primeira festa que iria; tinha apenas treze anos. Carolina, sorridente retocava a maquiagem, certamente pensando no Ricardo que embalaria seus sonhos durante a noite. Márcia, com dezesseis anos, era a mais velha, estava se sentindo responsável pelo grupo.
– Droga! – Disse Lúcia. – Está chovendo. Vai molhar nosso cabelo, o vestido e retirar toda a maquiagem.
Um táxi é a solução. Pensou Carolina. Teremos que pegar dois.
Nos anos oitenta, em Porto Alegre, a maioria dos táxis era fusca e não tinham o banco da frente. Só tinha lugar no banco de trás, e cabiam apenas três passageiros. Teriam que convencer o motorista levá-las num carro, pois dois táxis seriam muito caro. Eram do mesmo tamanho e magrinhas. Bem apertadinhas, caberiam perfeitamente no carro.
– A corrida é perto? Perguntou o motorista.
– Sim! Todas responderam.
– Tá bom. Vou fazer uma exceção, podem entrar.
Marcelo se levantou cedo. Era sábado, seu final de semana de plantão. Estava de bom humor. Cirurgião jovem, recém tinha ingressado no mais movimentado hospital de urgência da cidade. O dia foi calmo, mas todos os colegas sabiam que a noite começaria a agitação; estava quente. Com o calor as pessoas saem mais de casa, bebem mais. Esta combinação tem como resultado um aumento da violência.
Pela gralha do hospital, chamam o cirurgião de plantão na sala de poli, como é chamada a sala de atendimento aos doentes graves. Marcelo entra e vê vários pacientes em atendimento.
– Tem uma moça chocada. Acho que é barriga. – Diz o médico emergencista.
– Estão chegando mais três. Foram todas do mesmo acidente! – Grita a enfermeira. – Uma delas também está hipotensa.
Todos se voltam para atender as quatro meninas; colocam oxigênio e soro. Enquanto isso, o pessoal que as trouxeram, informa que, foi um acidente com uma caminhonete que bateu de lado num táxi.
Por estarem instáveis, duas delas foram levadas à cirurgia. Marcelo operou Carolina, que recebera o impacto da caminhonete. Constatou fratura de bacia, rotura de uretra, bexiga, intestino, diafragma, baço e extenso sangramento decorrente da fratura da bacia. Juliana, que estava ao lado de Carolina, foi operada, ao mesmo tempo, pelo o Oliveira, cirurgião mais velho com vários anos de experiência, que constatou, também fratura de bacia, com extenso sangramento e lesão de bexiga.
Após o ato cirúrgico, Marcelo, foi falar com os pais das meninas, ficou sabendo que eram três irmãs e uma prima. Falou sobre a gravidade dos casos, principalmente da Carolina.
Foi ver como estavam, Lúcia e Márcia, as que não tinham sido operadas. Foram avaliadas e constataram que as duas também tinham fratura de bacia.
Não é possível as quatro com fraturas de bacia! As bacias quebram como se fosse um dominó; uma bateu na outra. A que mais sofreu foi a que recebeu o primeiro impacto, depois a segunda, e assim por diante.
Dez anos depois, Marcelo e sua mulher entram no restaurante Bologna, na Zona Sul da cidade. Marcelo! Gritam seu nome. No fundo do restaurante, uma mesa grande com várias pessoas. Um senhor grita de novo seu nome. Não reconhece ninguém. Então esse homem se apresenta e diz que é o pai das meninas que sofreram o acidente do táxi. Estamos comemorando os dez anos do acidente. Todas estão bem, sem problemas. E apresenta as hoje mulheres, Carolina, Juliana, Lúcia e Márcia, pela ordem das bacias fraturadas. As quatro bacias!